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rt. 285-A – DO ESCLARECIMENTO
    (por Dra. Liane do Espírito Santo e Dra. Roberta Neves Pereira)


 
                     Art. 285-A – DO ESCLARECIMENTO

A inserção do art. 285-A à Lei n.º 5.869/73, que instituiu o Código de Processo Civil, através da Lei 11.277/06, veio acompanhada de muitas críticas a respeito da constitucionalidade de sua norma.

O dispositivo legal em apreço estipula, numa simples leitura, que seu objetivo é possibilitar a celeridade nos julgamentos de causas idênticas, e assim, abreviar o processo através da resolução do mérito de forma extremamente antecipada na demanda.

Mas também trás em seu “caput” o dever/poder ao Magistrado de definir se a matéria é ou não unicamente de direito, e, ainda permite que este decida se o processo reproduz casos idênticos anteriormente julgados e cuja sentença, decidiu pela total improcedência dos pedidos.

Mas, o dispositivo, não definiu o que vem a ser “casos idênticos”, para a devida aplicação da ordem legal, gerando assim, mais dúvidas do que soluções.

Dessa forma, passemos a analisar os requisitos para aplicação do referido dispositivo legal.
Inicialmente, tem-se que a expressão “matéria controvertida”, posta no art. 285-A, foi mal empregada pelo legislador infraconstitucional, pois como uma matéria pode ser controvertida se sequer houve citação do réu, isso porque em não havendo nem mesmo a ciência da parte contrária, como pode ser considerada matéria debatida?! O contraditório se forma apenas com a devida ciência do réu sobre a demanda.

No que tange a não citação do réu, o que pode se dizer é que o princípio do contraditório estaria prejudicado, segundo análise de alguns juristas,

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Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.


isso porque, caso haja apelação por parte do autor e o juiz decidir pela mantença da sentença, ou seja, não se retratar em 1ª. Instância, o réu será intimado, porém, em 2ª. Instância para responder ao recurso de apelação – já no Tribunal de Justiça, e com isso lhe será retirada a oportunidade de especificar e produzir provas na primeira instância. Ou seja, é claro que existe uma espécie de supressão de Instância.

Assim, quando da apelação da decisão “a quo”, lançando de imediato a questão à segunda instância sem que o duplo grau seja atendido perfeitamente, vez que, na instância inferior não houve lide triangularizada e esgotados os meios de defesa, como garantido pela nossa Carta Magna.

Dispôs também o artigo em tela, que a matéria controvertida seja unicamente DE DIREITO, que significa dizer que é quando existe alguma controvérsia ou situação sobre um conjunto de normas legais. Por isso, que tal dispositivo diz que poderá ser dispensada a citação e ser proferida a sentença, reproduzindo o teor da anterior, vez que a questão controvertida refere-se apenas a uma situação legal, de direito, que já foi consolidada naquele juízo com um entendimento do magistrado, dispensando-se novo raciocínio.

Contrário senso, se o caso tratasse também de matéria de FATO, que envolveria, necessariamente, produção de provas, não seria possível o julgamento liminar do pedido do autor sem a prévia citação do réu para responder à demanda e produzir as provas que entender serem necessárias para defesa de suas alegações.

Observa-se também que os pedidos requeridos na ação em curso devem ser exatamente a mesma de outra ação, em que se tenha julgado totalmente improcedente o pedido no mesmo juízo, que se entende como a mesma vara ou subseção judiciária, pois pode ocorrer de a tese ventilada seja a mesma, mas a pretensão diferenciada, nesse caso, não trataria de casos semelhantes, e assim não poderá servir como paradigma, por se tratar de causa de pedir e pedidos diferentes.

Chama-se atenção para o fato de que o julgamento tem que ser TOTALMENTE IMPROCEDENTE, não havendo lugar para as decisões parciais, ainda que em casos idênticos.

Mas como definir a luz do Direito, o que pode ser considerado como “casos idênticos”?

A avaliação da similitude fática entre dois ou mais processos é, na maioria das vezes, dotada de alto grau de subjetividade, dependendo exclusivamente do entendimento do Magistrado, frente às inúmeras situações cotidianas que lhe são postas para análise. Tal fato implicará não apenas na utilização das regras de experiência do Juiz, mas na leitura minuciosa da peça exordial, bem como na análise atenta das provas trazidas pelo Autor.

Cumpre ressaltar que é de fundamental importância a compreensão destes requisitos de aplicabilidade do art.285-A pelo julgador, afinal, caso a sentença de improcedência seja reformada pelo Tribunal, a finalidade da alteração do artigo, qual seja, celeridade processual, não será alcançada, só terá retardado ainda mais a pretensão do autor.

Julgamentos díspares sobre mesma matéria criam um ambiente de grande insegurança jurídica, pois cabe ao Poder Judiciário não apenas a tarefa de julgar, mas, sobretudo, de unificar o entendimento da Lei, mesmo considerando a abstratividade da norma legal.

O referido dispositivo legal rompe com a conhecida estrutura da relação processual, que desde se firmou como sendo a interação entre o Juiz, o Autor e Réu, mais tarde sistematizada por OSKAR VON BULLOW, na obra “Teoria das exceções e dos pressupostos processuais”. Este afirmava que o processo não é um fim em si mesmo e está a serviço do direito material. O processo é, sobretudo, método.

A forma que conhecemos da relação processual evoluiu no tempo, como é característica do Direito, e chegou a um patamar que pode ser considerada como imutável, ou seja, sempre teremos o Autor, o Réu e o Juiz, este último, como o representante do Estado, que mediante provocação, decidirá, para por um termo final ao litígio.
Analisando a norma em comento, à luz dos preceitos de BOBBIO em sua “Teoria da Norma Jurídica”, podemos observar que: o comando legal deve ser visto sob os aspectos do seu conteúdo, finalidade, sujeito, valores e a recepção do destinatário.

No que tange ao conteúdo, a característica da norma jurídica é a relação intersubjetiva e a bilateral. Uma relação entre pessoas que estabelece para um sujeito, um direito e para outro, um dever. Para BOBBIO, este critério serviria para diferenciar o Direito da Moral, tema que até o momento atual, ainda é intrigante.

Não encontramos a intersubjetividade e a bilateralidade da norma no artigo 285-A do CPC, pois ao buscar minimizar a morosidade nos trâmites processuais, que existe não somente por culpa de uma Lei burocrática, mas é corroborada por uma ineficiência logística do Poder Judiciário, o Legislador Ordinário inverteu a ordem do processo, retirando do Autor da demanda o direito de ter sua pretensão devidamente apreciada pelo Poder Judiciário, invadindo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, estampado na alínea “a” do inciso XXXIV e no inciso XXXV , ambos do artigo 5º da Carta Magna, bem como no artigo 126 do CPC.

Por isso, a Associação CCJB – Centro de Cultura Jurídica da Bahia, bem como, muitos doutrinadores conceituados, a exemplo de Humberto Theodoro Junior defendem essa introdução ao Código de Processo Civil, até porque não nos surpreende a notícia de que os nossos Tribunais estão demasiadamente abarrotados de estéreis discussões, visando em grande parte pelos que buscam o judiciário, cartadas de sorte ou até mesmo, tempo.

Mas se este é o intuito, a celeridade na resolução dos conflitos, não pode apenas satisfazer a histórica pretensão social de obter uma prestação jurisdicional mais rápida, sem observar o alto custo desta pretensa-celeridade, que exclui do ordenamento jurídico, princípios constitucionais e processuais inderrogáveis, transferindo ainda mais poder ao Magistrado, e deixando-o perigosamente à deriva no vasto oceano da hermenêutica.

Por este ângulo, ressalta-se a Ação Direta de Constitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que atacou a Lei Federal 11.277/06 que introduziu o art. 285-A, baseando-se no fato de que este dispositivo institui uma sentença vinculante impeditiva do curso do processo em primeiro grau, simploriamente falando.

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Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

  1. o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 

Art. 126 - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. 


Todavia, o escritório Neves Pereira, Santo Advogados e Consultores apóia toda inovação legislativa, que objetiva um andamento processual célere e simples, desde que atente precipuamente com os requisitos legais exigidos, e que se coadune com os princípios ético-jurídicos, bom senso e principalmente, com os anseios sociais, afastando-se assim do formalismo estéril e do dogmatismo acadêmico, o que infelizmente provoca um entrave no judiciário.

 

 
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